As Jornadas de Junho de 2013 (ora denominadas JJ13) podem ser consideradas como um marco da história política do Brasil contemporâneo. Acontecimento complexo, renegado em grande medida pelos partidos e organizações de esquerda hegemônicos, reprimida e depois pirateada pela direita conservadora e neoliberal, as JJ13 abriram o ciclo histórico de crise política da sociedade brasileira. Logo, a mesma não pode ser plenamente compreendida se não entendermos, sociologicamente, o que foram as JJ13 e, especialmente, as diferentes performances dos grupos de interesse, coalizões e classes sociais durante e depois das JJ13. Ainda mais porque, ante qualquer movimento de resistência mais generalizado, como ocorreu com a greve dos caminhoneiros de 2018, o fantasma das JJ13 ressurge nos corredores e bastidores do poder[1]. Desse modo, as JJ13 estão no centro da crise política brasileira. Certamente não devemos entender tal processo a partir de um modelo simplista de causa-efeito[2], mas sim de uma complexa dialética ação-reação: as JJ13 provocaram diversas reações, que tentam se apropriar ou neutralizar os efeitos provocados por elas. Desse modo, o núcleo dinamizador da presente crise pode ser considerado como um produto das Jornadas de Junho, mesmo que a crise política como um todo não o seja.
Nosso argumento é que as JJ13 foram uma insurgência/insurreição que, em termos históricos e sociológicos, consiste em um levante, mais ou menos simultâneo, de classes/grupos subalternos numa determinada sociedade, que usando de diferentes formas de ação e resistência coletiva, especialmente a ação direta e a violência civil não letal (que inclui a destruição de propriedade e a autodefesa de massas), exercem um contra-poder que neutraliza as funções governamentais temporariamente. Logo, a importância das JJ13 não está apenas no número de manifestações e de manifestantes, mas no tipo de relação de (contra) poder e nos efeitos (sobre o sistema político e socioculturais) que as ações coletivas desencadearam[3]. As insurgências e insurreições não são apenas conjuntos de manifestações como outras. Elas provocam mudanças redistributivas no poder e na renda, reformas e eventualmente, revoluções, e são sempre fundados num contra-poder, que se opõe aos poderes hegemônicos[4]. As JJ13 tem um significado histórico único, diferente de grandes manifestações que a antecederam e que a sucederam.
No presente texto faremos um exame das teses equivocadas acerca das JJ13, analisando, na sequência, porque as JJ13, na sua dinâmica, ações e efeitos, podem ser consideradas como uma insurgência, e o significado histórico da mesma. Em seguida, examinamos as origens socioculturais das JJ13, ponderando como a crise política brasileira, marcada pela reação neoconservadora e revitalização do lulismo, pode ser entendida como uma tentativa de institucionalizar/negar as JJ13 e/ou regular/neutralizar seus efeitos. Por fim, discutiremos como as novas insurgências, com características similares às expressas nas JJ13, se apresentam como via histórica alternativa para a sociedade brasileira, apesar de seus paradoxos.